O cemitério de Kkottoghnae descortina um triste segredo do próspero país: o maior índice de abortos do mundo
De muitos pontos de vista, a Coreia do Sul apresenta ao mundo uma grande história de sucesso. Eleições pacíficas e regulares têm se realizado desde que o país completou a sua transição para a democracia na década de 1980, em nítido contraste com o despótico e até psicótico regime do norte da península, governado pelo ditador vitalício Kim Jong-Un. Produtos da Samsung e da Hyundai saem das linhas de montagem continuamente e são vendidos para consumidores do mundo inteiro, garantindo para os sul-coreanos um dos mais altos padrões de vida do continente asiático.
E o número de cristãos continua a crescer no país. Quase um terço da população de 50 milhões de sul-coreanos, ou seja, cerca de 15 milhões de pessoas, professa hoje a fé em Jesus Cristo. Um terço dos cristãos faz parte do rebanho católico e é, portanto, o motivo principal desta visita apostólica de Francisco.
Mas este país do Extremo Oriente, com a sua história de sucesso em tantos aspectos, esconde uma vergonha secreta: a Coreia do Sul tem o maior índice de abortos do nosso planeta. Quase a metade de todas as gestações termina em aborto. A cada ano, quase tantas crianças coreanas são abortadas quantas conseguem chegar a ver a luz do dia.
O papa Francisco entende que as ações falam mais alto que as palavras. Pense, por exemplo, na participação dele na Marcha pela Vida do ano passado, em Roma. Ele sabe que a sua visita a um cemitério para crianças abortadas chama a atenção para esta tragédia que continua acontecendo de modo alarmante.
As dimensões desse holocausto sul-coreano são impressionantes. Uma fonte estima que tenham ocorrido 340 mil abortos em 2012, ano em que o país inteiro contabilizou apenas 440 mil nascidos vivos. Talvez 20 milhões de crianças tenham sido abortadas durante a última metade de século, um número imenso para um país do tamanho de Portugal; um número que é mais de seis vezes o total de vítimas civis e militares do país durante a Guerra da Coreia.
O número de abortos na Coreia do Sul, no entanto, é pouco mais do que um chute. Ninguém sabe a real quantidade com precisão, já que quase todos os abortos realizados no país são tecnicamente “ilegais”. As leis sul-coreanas permitem o aborto em casos de estupro ou de incesto, quando a saúde da mulher está em perigo ou quando a mulher grávida ou seu cônjuge tem determinadas doenças transmissíveis ou hereditárias. Mas ninguém mantém registros da prática.
As restrições estão em vigor desde 1953, mas são quase completamente ignoradas. As clínicas de aborto anunciam abertamente os seus serviços em grandes cidades como Seul e Pusan. Muitas mulheres coreanas abortaram mais de uma vez. E as autoridades, na maioria dos casos, fazem vista grossa.
O que, afinal, está acontecendo? Por que o pior holocausto do mundo de crianças ainda não nascidas está ocorrendo em um país onde a maioria dos abortos é ilegal?
Uma resposta em duas palavras: controlepopulacional.
No final da década de 1960, a Coreia do Sul recebeu enorme pressão dos Estados Unidos para reduzir a sua taxa de natalidade, com base na alegação de que o país era “superpovoado” (não era verdade; o país não era “superpovoado”, mas apenas pobre). O governo sul-coreano obedeceu ao Tio Sam e adotou a política do limite legal de dois filhos por casal. Na realidade, a Coreia do Sul não tinha muita escolha, já que, nos primeiros anos do pós-guerra, as forças dos Estados Unidos eram a única coisa que bloqueava o caminho entre o país e as contínuas agressões da Coreia do Norte e da China.
A propaganda contrária à natalidade foi rapidamente introduzida nas escolas. Casais com mais de dois filhos eram criticados publicamente, enquanto funcionários do governo com mais de dois filhos perdiam o emprego. As leis que restringiam o aborto, neste cenário, se tornaram mera letra morta.
O aborto virou rapidamente o principal meio de controle da natalidade para os casais que tinham que se adaptar ao novo limite de apenas dois filhos. O holocausto do aborto tinha começado.
Hoje, meio século depois, a maioria dos sul-coreanos compreende que a política dos dois filhos foi um erro trágico. Dom Peter Kang U-il, bispo de Cheju e presidente da Conferência dos Bispos Católicos da Coreia, disse recentemente que a nação enfrenta “um desastre nacional” por causa de “políticas governamentais aplicadas ao longo dos anos”.
A taxa de natalidade sul-coreana, de apenas 1,25 filhos por mulher, está entre as mais baixas do mundo. A população da Coreia do Sul está envelhecendo rapidamente; a força de trabalho está diminuindo e a população já começou a declinar.
Diante de tais números desalentadores, que pressagiam uma espécie de suicídio nacional gradual, o governo inverteu a política: agora, o país não só abandonou o limite de dois filhos como oferece incentivos para que as famílias tenham mais crianças. Além disso, o governo está começando a reprimir os abortos ilegais.
Parece um caso de “muito pouco e muito tarde”, já que o aborto se tornou praticamente um modo de vida na Coreia. Os cemitérios de não-nascidos continuam ficando cada vez mais cheios. Mas…
É habitual que o papa visite os santuários dos mártires. E o cemitério de crianças abortadas é, em certo sentido, uma espécie de santuário. Afinal, as crianças a quem ele é dedicado são pequenos mártires de um programa de controle populacional descontrolado. Elas morreram porque os seus pais, instigados pelo próprio governo e pelo governo norte-americano, decidiram que aqueles filhos ainda não nascidos eram excesso de bagagem na jornada rumo à riqueza.
A visita do papa Francisco a este cemitério deverá brilhar como uma luz sobre o holocausto do aborto coreano e, assim eu oro para que seja, contribuirá para reduzir ou até encerrar em breve esse holocausto. Afinal, o tema da viagem do papa é: “Levanta-te, Coreia, e veste-te de luz; a glória do Senhor brilha sobre ti”.
Se a Coreia abraçar esta luz, não haverá mais espaço para a escuridão do aborto.
Fonte: Aleteia