No País e no Estado, centenas de crianças continuam em centros de acolhimento por tempo indefinido
A conta não bate. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Ceará, existem 450 pessoas na fila para adotar uma criança e somente 90 meninos e meninas se encontram disponíveis para adoção. Há, em tese, exatos cinco pretendentes a pais para cada criança. Em outro contexto, caberia aos pequenos elegerem pessoas ou casais para constituírem suas novas famílias. Mas a realidade, no Estado e em todo o Brasil, é a de centenas de crianças e adolescentes que continuam abrigadas em centros de acolhimento por tempo indefinido, vivendo apenas na esperança de ter um lar novamente ou, em muitos casos, pela primeira vez.
Se não pela falta de pretendentes, a adoção ainda esbarra em duas outras dificuldades: a preferência dos pais por crianças dentro de um perfil específico e a morosidade da Justiça, que, por conta de deficiências estruturais para acelerar o processo de apadrinhamento, acaba por prolongar a estadia das crianças nos abrigos.
No que diz respeito ao Judiciário, a demora se divide em várias etapas. Primeiro, os pretendentes precisam passar por uma série de avaliações até serem habilitados para a adoção.
Guarda
Por meio de entrevistas, análise de documentação e visitas domiciliares, é examinada a situação socioeconômica e psicoemocional da família, a qual também deve fazer um curso preparatório para assumir a guarda da criança. Depois, começa a busca pelo futuro filho, o que, de acordo com as prioridades dos pais, pode demorar semanas, meses ou anos.
Mas a grande dificuldade está na disponibilização das crianças para adoção. Para isso, é necessário haver a destituição do poder familiar, que permite que meninos e meninas abandonados sejam desvinculados por completo dos pais e parentes biológicos e liberados para serem adotados.
Procedimento
Segundo Manoel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza e membro da Comissão de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Estado, o procedimento deveria durar, no máximo, seis meses. Entretanto, devido à lentidão do Judiciário e da longa tentativa de recuperar os laços da criança com a família de nascimento, a destituição pode levar mais de um ano.
“Há uma tentativa grande de procurar os pais ou a família ampliada para não romper esse vínculo, mas, muitas vezes, eles estão em outros Estados e até Países. Quando chega alguém querendo adotar, é comum aparecer algum parente alegando que deseja a guarda da criança, mas eles não vão em frente com o que dizem e isso acaba atrasando mais”, explica Clístenes.
Ele destaca, ainda, que, no Ceará, faltam varas exclusivas para assuntos de Infância e Juventude, causando a sobrecarga daquelas já existentes e a consequente morosidade no julgamento das ações de destituição. “Em muitos municípios, apenas um local é responsável por toda a parte cível de crianças e juventude, que trata não só das crianças desabrigadas, mas também de questões de guarda, pensão alimentícia e outras. Isso causa dificuldades na própria vara”, afirma.
Burocracia
Enfrentar a burocracia e a demora resume o que a pedagoga Edinete da Costa e o marido, Jorge da Costa, têm feito nos últimos nove meses, na tentativa de adotar Mariana (nome fictício), de 12 anos. A menina vive no abrigo municipal da cidade de Maracanaú há nove anos, mas nunca havia sido disponibilizada, oficialmente, para adoção. Com uma idade considerada avançada para os padrões dos pretendentes, as chances de Mariana conseguir novos pais não eram animadoras.
Abrigo
Edinete e Jorge, que já possuem outra filha adotiva, Erika, de 7 anos, não cogitavam adotar uma criança acima dos quatro anos de idade. Mas bastou uma visita ao abrigo para que o casal se encantasse pela menina. “A gente se apaixonou por ela, e ela pela gente”, conta Edinete. Ao contrário da primeira adoção, rápida e eficiente, a pedagoga e o marido estão lutando há quase um ano para obter a guarda de Mariana.
“É um processo muito lento, principalmente para uma criança que está há tanto tempo no abrigo. Infelizmente, acredito que essa dificuldade foi por causa do descaso do poder público. A demora prejudica tanto as pessoas na fila quanto as crianças, que acabam perdendo oportunidades”, afirma a pedagoga.
Isso porque os anos vão passando, os pequenos vão crescendo e a adoção vai se tornando cada vez mais difícil. Um agravante ao longo e burocrático processo é a preferência dos pretendentes por crianças com características específicas.
Perfil procurado é de crianças com até três anos
O número de crianças deixadas em abrigos vem crescendo em proporção superior à quantidade de processos de adoção que são concluídos. Com a falta de celeridade na Justiça para consolidar os processos de adoção, as crianças passam muito tempo nesses espaços e, crescidas, enfrentam mais dificuldades de serem adotadas. Isso porque o perfil procurado para adoção é principalmente de crianças com idade até três anos.
Luiza Helena dos Santos, diretora do Abrigo Tia Júlia, uma das unidades de acolhimento no Estado, conta que todos os dias chegam novos meninos e meninas abandonadas ao local. Hoje, são 93, a maioria na faixa etária entre 0 e 7 anos de idade. Outras, contudo, foram recebidas pela casa ainda bebês, mas permanecem até agora, algumas com mais de 20 anos completos.
Problemas
Segundo a diretora, a partir dos quatro anos de idade, e principalmente quando possuem quaisqier problemas de saúde, as crianças vão perdendo, cada vez mais, as chances de adoção. O perfil mais procurado pelos pais que visitam a unidade são aquelas com até 3 anos de idade, do sexo feminino, em perfeito estado físico e mental.
Na visão de Luiza Helena, mais que as questões jurídicas, esse é o maior empecilho à adoção de crianças no Estado e em todo o Brasil, atualmente.
“As meninas entre zero e três anos, brancas, são o perfil que os pais querem. Já as crianças maiores e com comprometimento de saúde são bem mais difíceis de serem adotadas. Antes, esse segundo tipo de adoção ficava muito para os casais estrangeiros, mas nos últimos anos estamos tentando incentivar isso por aqui”, diz a diretora do abrigo.
O estímulo à adoção tardia e de crianças com deficiências e problemas de saúde vêm dando certo. Segundo Luiza Helena dos Santos, das seis crianças adotadas durante este ano no Abrigo Tia Júlia, quatro são maiores de quatro anos e outras na mesma faixa etária estão sendo visitadas por famílias interessadas.
Mudança
O número, para a diretora, é promissor. “Graças a Deus, estamos conseguindo mudar o perfil”, diz ela. Ainda assim, Luiza afirma que o abrigo, possivelmente, sempre estará cheio de crianças em situação de abandono e cultivando constantemente a esperança de ter uma família pela primeira vez.
Interessados em ingressar com um processo de adoção precisam estar atentos e procurar a Vara da Infância e da Juventude munido de documentação necessária. Após realizar petição para dar incício ao processo de adoção, caso seja aprovado, os dados passarão ao Cadastro NAcional de Adoção (CNA), ferramenta para auxiliar os juízes na condução dos procedimentos.
Vanessa Madeira
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste